São Paulo, 19/04 outro quase inverno.
Rasguei em pedaços tudo que queria dizer, já comecei e recomecei essa carta algumas vezes. Porque eu sei que de noite você vai
me ligar, sei que logo vamos nos falar, estou ansiosa, mas tenho certeza que você não dorme sem falar comigo, e não sei se por essa, ou por
outra razão parecida, meus pensamentos se recusam a descansar. Poderia fechar os
olhos, imaginar o que vou dizer, mas não dormir, o medo não dorme, eu também não durmo sem falar com você.
Não preciso escrever essa carta porque vamos conversar tudo
isso, você vai voltar, sei que ainda vai voltar, por todos os nossos planos,
pelos enganos... Você não me deixaria, pelo nosso tempo, por causa dos afetos,
e do gosto por desafetos. Eu sei que o telefone vai tocar, você sabe que eu não
estou dormindo, eu não estou dormindo, eu estou chorando escondida em baixo da
cama, e as pessoas em casa não entendem nada, elas também estão assustadas, mas fingindo não me ver, uma questão de elegância.
Estou um pouco cansada de não querer voltar pra casa porque
estou com a cara inchada, estive chorando em lugares públicos, não tive força
para me segurar no ônibus, uma freada entregou minha cara ao chão, a face
direita, me deixei contra o fim, esperei o limite. Estava ali. “Machucou?”, “Você
está bem?”. Estou machucada sim, é, está doendo, mas faz tempo, está doendo,
mas é por dentro...
Eu estou decidia que não gosto mais de insuficiência como
patamar, e que estou com muita vontade de me jogar da escada, antes de chegar
no alto, faltou pouco, eu sei, mas não cheguei a tempo para minha vez, não sou
eu o que você quer. E digo ‘o que’ com muita clareza, e não ‘quem’, por razões
que se pode entender, certo?
Eu te amo, te amo muito, pensar em como nossos filhos cantariam bem me faz
soluçar de chorar, mas meu rosto não pode ultrapassar o chão. É impossível para
mim , sou eu ou isso, é o que se pensa quando tem que levantar do chão do
ônibus, e eu tive que levantar. Estava
inerte mas não tanto a ponto de perder o ponto e ir parar no terminal Teotônio
Vilela, é melhor saber da sua hora.
Suas palavras foram claras, ‘há um ano você só está fazendo
merda’,’ você não mudou, as pessoas não mudam’. Chega então de sofrer, você não
sabe perdoar, e amar, não era nunca precisar pedir desculpas? Eu estou cansada
de tentar te convencer, eu já expliquei, desenhei, rimei, tirei a roupa e virei
o cu para você me enfiar. Não, jamais será o bastante.
Te desejo, te amo, te adoro, e tudo isso se confunde, é as vezes quando te
encontro os olhos, ou quando te sinto me beijar, quando segura minhas coxas e
me faz gozar, quando te vejo, sincero, quando me abraça e dormimos num calor
insuportável e acordo misturada na sua carne, encontrando meu corpo no meio do
seu, a luz da janela para o quarto, os passarinhos do meu sonho de felicidade. Meu
sonho é que pudéssemos superar tudo que machuca, está tão pra dentro da gente.
Quero amputar a dor do meu coração, tem como ficar só com a
paixão? Só com a lembrança daquele beijo que me deu no seio? De lado, um dia
que eu usava calcinha azul... Eu te amo, eu amo a gente junto, o seu jeito de
fazer carinho me esfregando os calos, quando quer estar comigo de verdade, te
amo, amo te ouvir me tocar, sua música, seu
coração... Porque tem sempre um pensamento ruim para assombrar nossa
felicidade? Porque não perde uma
oportunidade de me machucar? Eu me arrependo de coisas que sei que não fiz por
mal, que sei que não são erradas.. eu acho que não sei amar....
Eu queria dizer nessa carta que não quero mais, mas sei que você não vai deixar
ficar por isso, sei que nunca me deixa terminar com você, e ainda sim n diz que
me aceita, só me sustenta por um pouco mais tempo de pé, pra me bater mais,
para brigar mais. Vamos brigar mais um pouco, você vai telefonar e eu vou
chorar, eu vou soluçar, vou pensar em momentos felizes e vou desabar, vou te
implorar pra esquecer meu passado e prometer que esqueço o teu, vou te
implorar, vou te implorar para não brigar mais comigo...
Só estamos brigando outra vez... É só amor e desamor...